sábado, 15 de janeiro de 2022

Português sem Enrolação - funções da linguagem

 Funções da linguagem é um assunto que vai muito além da gramática. Para entendê-lo plenamente, precisamos entender o processo de comunicação. Diferente do que muitos acreditam, comunicação acontece em tudo o que fazemos para nos expressar, e não só na língua falada ou escrita. Há comunicação em um gesto, um desenho, uma pintura, uma escultura, uma melodia, um grito. Nós, humanos não somos os únicos seres vivos que se comunicam, mas com certeza desenvolvemos como nenhum outro os processos comunicativos.


A comunicação ocorre quando um emissor emite uma mensagem a um receptor que a compreende. Apesar de parecer simples, existem diversos elementos que podem influenciar na comunicação, e a mudança de apenas um deles é capaz de produzir uma mensagem diferente ou uma modificar a compreensão do receptor. Para aprendermos mais sobre as funções da linguagem, recorreremos aos estudos de Roman Jakobson, linguista russo e inventor deste conceito.


Elementos da mensagem

O processo de comunicação possui elementos básicos que estão interligados e são interdependentes. 


 

Tomemos como exemplo uma música com letra, gravada por uma determinada banda e executada no rádio. Nesse contexto, os elementos do processo comunicativo podem ser identificados conforme mostramos a seguir:


Emissor – Aquele que envia e codifica a mensagem, seu remetente. No exemplo em questão, o emissor é a banda.

Receptor – É aquele que recebe, interpreta e decodifica a mensagem, seu destinatário. Os ouvintes da rádio no momento da execução da música são os receptores dela.

Canal – É o meio pelo qual circula a mensagem. No caso da música, as ondas de rádio correspondem ao canal por onde se transmite a mensagem, mas o aparelho de rádio também é um canal, já que é usado para receber essas ondas e decodificá-las de modo que sejam captadas pela audição dos ouvintes.

Código – São os instrumentos usados na transmissão da mensagem. No caso da música, as notas musicais e o código verbal (que, por sua vez, permitem a composição de melodia, arranjo e letra) são códigos.

Referente – É a situação a que a mensagem se refere, de que coisa ou pessoa ela trata. Uma música sobre paixão pode ter a pessoa amada do eu-lírico como referente.

Mensagem – É o conteúdo transmitido pelo emissor. No exemplo da música, a mensagem é o que ela diz, o sentido de sua letra combinada à parte instrumental.

Vamos reunir os elementos acima para compreendermos com mais firmeza o conceito de cada um deles e como eles se relacionam quando tomados como um processo de comunicação: uma banda (emissor) gravou uma música (mensagem) que possui melodia, aranjo e letra (códigos) e fala sobre a pessoa amada (referente) do eu-lírico. A música chega aos ouvintes (receptor) do rádio (canal). Agora que esclarecemos quais são os elementos do processo de comunicação, podemos avançar para o estudo, de fato, as funções da linguagem.


Tipos de funções da linguagem

As funções da linguagem são ligadas diretamente a um dos elementos estudados anteriormente. As funções nada mais são do que o foco da mensagem em um dos seis elementos da comunicação, e cada um deles possui características bem particulares. Vejamos a seguir as seis funções da linguagem:


Função referencial, denotativa ou informativa

A função referencial é aquela que possui como destaque o referente. A mensagem procura apenas passar informações sobre o assunto tratado. Costuma ter uma linguagem mais objetiva e formal, para evitar desvios do referente e mal-entendidos.


Exemplos: Podemos visualizar bem a função referencial em jornais, livros, revistas, telejornais, documentos oficiais, livros didáticos, artigos científicos, correspondências comerciais, bulas de remédio, manuais de instruções, receitas e redações, pois eles procuram sempre passar a informação de forma mais imparcial, evitando a expressão de emoções e com o mínimo de ruído possível.


Exemplo:


Nobel de medicina 2019: entenda a descoberta que levou ao prêmio


O trabalho de três pesquisadores ajudou a entender como as células do corpo adaptam-se à quantidade de oxigênio no ambiente.


Rafael Battaglia


Os vencedores do prêmio Nobel de Medicina de 2019 foram anunciados nesta segunda-feira (7). São eles: William Kaelin e Gregg Semenza, dos EUA, e Sir Peter Ratcliffe, do Reino Unido. O prêmio foi dado pelas suas descobertas sobre como as células do nosso corpo percebem e adaptam-se aos níveis de oxigênio disponível no ambiente.


Os três pesquisadores desenvolveram seus trabalhos individualmente desde os anos 1990. Juntas, suas pesquisas descrevem um importante mecanismo fisiológico — a resposta hipóxica das células — essencial para que indivíduos consigam sobreviver em lugares mais altos, onde há menor concentração de oxigênio.


Além de desvendar como esse mecanismo funciona, os organizadores do Nobel ressaltaram a importância das descobertas para futuras aplicações médicas. De acordo com o comunicado oficial, “suas descobertas também abriram o caminho para novas estratégias promissoras para combater a anemia, o câncer e muitas outras doenças”.

BATTAGLIA, R. Nobel de medicina 2019: entenda a descoberta que levou ao prêmio. Superinteressante. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/nobel-de-medicina-2019-entenda-a-descoberta-que-levou-ao-premio/. Acesso em: 28 out. 2019.


Função emotiva ou expressiva.

Acontece quando o destaque da mensagem é o próprio emissor. Seu objetivo é fazer com que o receptor se sinta “na pele” do emissor. Os textos emotivos são caracterizados por uma linguagem subjetiva e bastante pessoal, e neles é frequente o uso da primeira pessoa. A pontuação é bem particular, com muitos pontos de exclamação, interrogação e reticências. Por sua subjetividade, é bastante usada em poemas, letras de música, cartas pessoais, cordéis, novelas, textos líricos, memórias, biografias, depoimentos e entrevistas.


Exemplo: 

As Sem-Razões do Amor


Eu te amo porque te amo


Não precisas ser amante


E nem sempre sabes sê-lo


Eu te amo porque te amo


Amor é estado de graça


E com amor não se paga


 


Amor é dado de graça


É semeado no vento


Na cachoeira, no eclipse


Amor foge a dicionários


E a regulamentos vários


 


Eu te amo porque eu te amo


Bastante ou demais a mim


Porque amor não se troca


Não se conjuga nem se ama


Porque amor é amor a nada


Feliz e forte em si mesmo


 


Amor é primo da morte


E da morte vencedor


Por mais que o matem (e matam)


A cada instante de amor


Carlos Drummond de Andrade


Função apelativa, conativa ou imperativa

Esse tipo de função tem como foco o receptor, procurando sempre chamar sua atenção, persuadi-lo ou influenciá-lo de alguma forma. Utiliza bastante o modo imperativo dos verbos e quase sempre é desenvolvido na segunda pessoa. Como tem um poder persuasivo muito grande, é o discurso mais utilizado em propagandas, campanhas eleitorais, sermões religiosos, discursos políticos, textos de horóscopo, autoajuda, orações, preces e qualquer outro tipo de texto que queria chamar o receptor para fazer alguma coisa.


Exemplo: 

Oração do Pai Nosso


Pai nosso que estais nos céus, santificado seja o Vosso nome.

Venha a nós o Vosso Reino.

Seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no Céu.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje.

Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.

E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.

Amém.


Função fática

É a função que tem como foco o canal, e normalmente é usada quando o emissor testa o funcionamento do canal. Mais recentemente, também passaram a ser considerados casos de função fática os casos em que o canal é posto em destaque, como, por exemplo, um anúncio publicitário veiculado em uma revista que traz uma área com textura diferente do restante do papel, representando algo que deve ser experimentado pelo tato, e estimula o leitor a tocá-la, fazendo com que ele explore mais o canal. São exemplos cumprimentos, saudações, despedidas, vinhetas e conversas telefônicas. A função fática é desempenhada por expressões como “alô”, dita ao telefone, e “entendeu?”, indagada ao fim de uma explicação, e também o Plim Plim, no intervalo dos filmes e seriados da Globo.


Exemplo:

- Pai...

- Hmmm?

- Como é o feminino de sexo?

- O quê?

- O feminino de sexo.

- Não tem.

- Sexo não tem feminino?

- Não.

- Só tem sexo masculino?

- É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino.

- E como é o feminino de sexo?

- Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.

- Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.

- O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra "sexo" é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.

- Não devia ser "a sexa"?

- Não.- Por que não?

- Porque não! Desculpe. Porque não. "Sexo" é sempre masculino.

- O sexo da mulher é masculino?

- É. Não! O sexo da mulher é feminino.

- E como é o feminino?- Sexo mesmo. Igual ao do homem.

- O sexo da mulher é igual ao do homem?

- É. Quer dizer... Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo feminino, certo?

- Certo.

- São duas coisas diferentes.

- Então como é o feminino de sexo?

- É igual ao masculino.

- Mas não são diferentes?

- Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra.

- Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.

- A palavra é masculina.

- Não. "A palavra' é feminino. Se fosse masculina seria "o pal..."

- Chega! Vai brincar, vai.

O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:

- Temos que ficar de olho nesse guri...

- Por quê?

- Ele só pensa em gramática.

Sexa, de Luis Fernando Veríssimo


Função metalinguística

O código se destaca nesta função, pois o referente da mensagem se volta para seu próprio código. Caracteriza-se por apresentar “a linguagem falando da própria linguagem” (metalinguagem), como por exemplo. É uma função que não pode ser identificada apenas por aspectos da forma de expressão, mas sim por seu referente direcionado ao próprio código. Textos que abordam a atividade da escrita, programas de TV que falam sobre a televisão (por exemplo, Vídeo Show) e filmes sobre a indústria cinematográfica, gramáticas e dicionários são exemplos.


Exemplo:

verbete código - dicionário Aulete

(có.di.go)


sm.


1. Coleção de leis, disposições ou regulamentos sobre qualquer matéria (código penal).


2. Conjunto de preceitos ou normas de comportamento: código de conduta.: o código de honra dos samurais


3. Sistema de troca de informação ou de mensagens, que consiste em definir um conjunto limitado de sinais (p.ex., certos sons, ou gestos, ou figuras, cores etc.) e regras para combiná-los de modo que cada sinal ou grupo de sinais corresponda a determinada mensagem, informação ou significado


4. Código (3) us. para troca de mensagens secretas, e cujas regras são portanto ocultadas e mais ou menos difíceis de descobrir, tornando as mensagens incompreensíveis para quem não o conheça; esp.: sistema que usa palavras, letras ou outros sinais de comunicação conhecidos, mas segundo regras diferentes e complicadas: Escreveu um bilhete num código secreto.


5. Inf. Conjunto de sinais ou símbolos para representar dados e instruções de computador (segundo regras relativas ao modo com que podem ser combinados e à correspondência entre os sinais us. pelas pessoas e aqueles operados pela máquina)


6. Sinal ou série de sinais (sons, palavras, gestos etc.) que serve por convenção para representar ou identificar exclusivamente algo ou alguém; cada um dos símbolos us. em um código (acps. 3, 4 ou 5).


7. Restr. Palavra ou expressão, ou gesto etc., que tem, para certo grupo de pessoas, um significado combinado, diferente do conhecido ou habitual, ger. servindo como sinal ou instrução para alguma ação, como aviso, etc.


8. Série alfanumérica (algarismos e/ou letras) que identifica cada um dos itens de uma lista, como p.ex. usuários de um serviço, produtos em estoque, etc.: informe o seu código de assinante: digite o código do produto


9. Inf. Série de sinais alfanuméricos ou outros (bits) que representam determinada instrução de computador


Função poética ou estética

A função poética é centrada na mensagem, e caracteriza-se por ser expressa na própria estrutura da mensagem, seja em letras, ritmo, melodia, tonalidade etc. As rimas são um bom exemplo de função poética e muitos poemas usam e abusam desta função, mas não são as únicas formas de comunicação que a utilizam. A função poética também costuma acontecer em trocadilhos, piadas, histórias em quadrinhos, textos publicitários e letras de música, embora seja frequente em textos literários. Para entender melhor a função poética veja o exemplo abaixo, o poema “Poeminho do Contra” de Mario Quintana, poema brasileiro.


Todos esses que aí estão

Atravancando meu caminho,

Eles passarão...

Eu passarinho!

Vale a pena lembrar que os elementos do processo comunicativo estudados existirão em qualquer tipo de comunicação, independente do tipo de função usado. Além disso, é possível que um mesmo texto apresente mais de uma função da linguagem, eles não precisam necessariamente serem empregados individualmente. Agora que estudamos sobre o básico das funções da linguagem e dos elementos da comunicação você poderá observar os textos a sua volta de forma diferente.

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